Venha ver o pôr do sol

Entrei na sala do nono ano e vi, perdida sobre a mesa, uma coletânea escolar de contos da Lygia Fagundes Telles - estre eles um dos mais famosos e meu preferido, Venha ver o pôr do sol. Devolvi a seu dono e eles me disseram que fariam prova do livro na segunda aula. Perguntei se tinham gostado. Respoderam que não porque, segundo eles, o livro "não tinha mensagem nenhuma."

O que eu poderia dizer? Talvez pudesse explicar que Lygia Fagundes Telles não desenvolve arquivos de pps nem escreve livros espíritas. Que literatura não precisa, necessariamente, ter uma mensagem - pelo menos não uma tão óbvia e clichê quanto a que eles estão acostumados nas letras do NXzero. Que uma boa história não tem a obrigação de ensinar nada, só de fazer pensar, só de atiçar a curiosidade para coisas maiores.

No final eu não disse nada. Tinha a idade deles quando li Lygia Fagundes Telles pela primeira vez e digo: essa mulher mudou minha vida. Ela me mostrou que havia um universo muito maior e mais importante do que a minha vidinha solitária e problemática de adolescente e que não, eu não estava sozinha - outras pessoas compartilhavam meus medos, minhas angústias e minha busca pelo pleno, pelo essencial. Parece piegas e clichê, mas aos 14 anos faz um sentido enorme.

Talvez a culpa seja nossa mesmo. Adianta atirar Venha ver o pôr do sol no colo deles, fazer uma prova e dormir tranquilo com a certeza de que "incentivou a leitura"? Eles pertencem a uma geração (que deve ter começado com a minha mas da qual eu tive a sorte de me desvencilhar) que foi treinada para só enxergar o óbvio - que recebeu tudo muito fácil, mastigado, e que não consegue ver a beleza e a profundidade das coisas nas entrelinhas das histórias mais simples, como as que eles tinham acabado de ler. Precisam de um guia. Precisam de alguém que os ajude a compreender.

E nós estamos falhando.

Comentários

  1. poxa paula, esse post me tocou profundamente (risos safadinhos).
    eu sou muito fã da lygia. fui conhecer no terceiro ano do segundo grau, quando a escola fazia a gente ler as obras catalogadas pro vestibular. e foi bem isso: mudou a minha vida.
    coincidentemente, venha ver o por do sol também um dos meus favoritos - senão O favorito.
    eu, que costumava ler livrões de gente solitaria e complexa (ate entao, meus favoritos eram os do milan kundera HEH). peguei gosto por contos curtos, ternos, de final aberto e com uma carga emocional que nao cabe em palavras.
    lygia é mestra nisso, né? lembro que quando li pela primeria vez o jardim selvagem... ah, que pena que não é todo mundo que goste disso.

    e sabe, até o ano passado, quando eu fazia cursinho - que supostamente seria lugar de gente que poderia entender esse tipo de leitura, eu ouvia pessoas comentando na aula de literatura que nao suportava lygia ou clarisse ou rubem fonseca (a obra catologada era o cobrador - que eu adoro, só pra registrar) porque NAO GOSTAVAM NAO ENTENDIAM NAO QUERIA DIZER NADA ERA UMA COISA INUTIL DE SE LER.


    né, um beijo pra geração harry potter / crepúsculo.

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  2. Sabe o que eu acho legal?
    É que eu vejo que existem professores que ainda pensam que têm obrigação de ensinar, que isso faz parte da profissão.
    E isso ainda me dá esperança.

    Mas quando eu chego na escola do meu filho de 2 anos e vejo a apresentação do dia das mães me dá desânimo.

    Colocam uma música (geralmente de qualidade duvidosa) na maior altura, num aparelho de som chiando e fazem as crianças dançarem uma coreografia ridícula. É triste porque os moleques se esforçam. Mas fica feio! Mãe gosta, mas fica feio, oras...

    A profa. do meu filho ensaiou uma peça com as crianças. Fizeram com que fossem vestidos à carater. Claro que eles erraram algumas coisas. Claro que não ficou perfeito. Mas vê-se que eles gastaram tempo ensaiando e elas, planejando.

    Da escola anterior da minha mais velha (16) eu nem falo. Já é difícil tentar educar uma adolescente, e com as coisas que ela trazia da escola então... Afff

    E os pais???? só se calam na apresentação dos próprios filhos, avançam na comida, param em fila dupla na frente da escola...

    Hoje ela está numa escola melhor.

    (Desculpe pelo desabafo. Acho que me excedi. Mas poder de síntese não é meu forte:p)

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  3. Amanda, amo Rubem Fonseca do fundo do meu coração. E os argumentos do povo do cursinho... bom, é isso mesmo. Começam na escola e se arrastam pela vida. Quer me deixar puta? É usar o argumento do "não entendi" para desqualificar alguma coisa.


    Damine, a apresentação de dia das mães lá no colégio foi exatamente assim - músicas nada a ver (a segunda série dançou Ivete Sangalo) e pais avançando na comida depois. É triste.

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  4. "Venha ver o pôr do sol é lindíssimo". Mas, de verdade, a culpa não é só dos alunos, acostumados com leituras obrigatórias, cuja única validade se baseia em uma folha branca cheia de perguntas.E que depois se concretizará no vestibular, outro crime. Fazem (os alunos)isso a vida toda e vão continuar fazendo. Primeiro porque aos seis anos (hoje, aos cinco) foram convocados pelo Estado e, mesmo cotoquinhos, tiveram que se enfileirar militarmente numa sala se aula. Depois, eles serão convocados pelo mercado.Eu definitivamente descobri, por esse e por diversos outros motivos, que eu odeio a escola.

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