Lá vou eu falar sobre adoção de novo

Eu gostaria muito de não ter que estar aqui de novo falando sobre adoção porque eu estou longe de ser especialista no assunto, mas eu vejo tanta gente dizendo besteira que sou obrigada.

Tá difícil, Michael Scott

Ontem essa maravilha de matéria caiu no meu colo:

https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/05/08/adotei-minha-filha-no-malawi-xxxx.amp.htm?__twitter_impression=true

Li com vontade de arrancar os olhos, respirei fundo, contei até 10, esperei a vontade de mandar todo mundo tomar no cu passar e vim hoje tentar consertar o desserviço que todos os envolvidos nisso prestaram. 

Pra começar esse título né? Que merda é essa? Tá falando de uma raça de cachorro? De uma bolsa de marca? Galera não tem mais onde ostentar agora resolveu ostentar com adoção? Pelo menos a UOL se ligou que de todas as coisas erradas o título possivelmente era a pior e se vocês clicarem no link vão ver que tiveram o bom senso de mudar. 

Eu não vou entrar no argumento idiota de que "tem tanta criança para ser adotada no Brasil, por que ir até a África?". É o mesmo argumento de quem questiona a proteção animal "ah mas tem tanta gente precisando". Cada um escolhe suas causas. E adoção não é caridade, é amor. Quem adota o faz para si, porque tem o desejo de constituir uma família. Não o faz para "ajudar" ninguém. 

Eu vou questionar o "me disseram que adoção no Brasil pode levar até sete anos." ATÉ sete anos. Num país onde interpretação de texto é luxo, quantas pessoas vão ler isso a automaticamente concluir que todo mundo que resolver adotar uma criança no Brasil vai ter que esperar sete anos? 

O processo demora? Demora. A média é dois anos (bem menos que sete, viu UOL?) e pode variar de acordo com as restrições que os pais impõe. Se você quer uma menina branca e recém-nascida vai ter que esperar sentado mesmo. A questão é: ainda bem que demora.

Crianças adotadas são devolvidas, sabiam? Com certa frequência. Os motivos são vários, mas há o caso do casal de meia idade, filhos criados, que adotou um bebê. Quando ele tinha três anos se deram conta de que "já tinham passado da idade de correr atrás de criança." Devolveram.

São pessoas horríveis? Possivelmente. mas acima de tudo não tiveram acompanhamento psicológico necessário antes de concluir essa adoção. Há também os casos de devolução na adoção tardia. Os pais, mais uma vez despreparados, esperam que uma criança adotada seja "grata" a eles. Mas essas crianças as vezes testam esses pais porque querem ter certeza de que dessa vez é pra valer. E eles não sabem lidar. Pular etapas dá nisso. 

Que bom que essa criança do Maláui agora tem uma família amorosa. Espero do fundo do meu coração que eles sejam muito felizes. Mas adotar crianças em outro país, do jeito como tem sido feito, me parece uma maneira de "burlar" as regras. Me parece coisa de gente rica e mimada que quer "dar um jeitinho". De novo, cada um faz o que quiser da sua vida desde que não esteja cometendo um crime nem prejudicando ninguém, mas o tom da matéria só colabora com essa ideia de que o sistema no Brasil é deliberadamente burocrático só porque sim. Ele é burocrático porque precisa ser. Porque há vidas em jogo. 

Tem gente que acha que adotar um filho é tipo escolher um carro novo, né? Só pode.