A quadrilha

Peço perdão pela insistência no assunto, mas andei fuçando meu blog antigo e achei que essa postagem merecia um "vale a pena ver de novo". Vão com fé, coleguinhas.


Junho chegou e trouxe com ele minha nova atribuição como professora do ensino fundamental – ensaiar a quadrilha. Festas Juninas e o que elas implicam em geral me causam profunda agonia. Só de ouvir um “cada cavalheiro com sua dama!” ou avistar uma barraquinha de pescaria já estremeço, suo frio e tenho dificuldade de respirar, sintomas advindos provavelmente de algum trauma de infância relacionado ao assunto. A festa junina era, para mim, de longe o momento mais humilhante do ano, por uma série de motivos:


a) Não sei dançar. Nunca soube. Quando criança, minhas incursões pelas maravilhas de tão nobre arte não passaram de uma catastrófica primeira aula de balé (da qual ainda conservo uma cicatriz no queixo como lembrança) e de uma foto ridícula vestindo polainas listradas e colant roxo no melhor estilo “Flashdance” para uma aula de jazz que nunca se realizou em vista de um ataque de pânico na porta da academia. Não que uma dança de quadrilha seja algo extremamente complexo, mas ainda assim envolve música e passos ensaiados, o que, para alguém com minha coordenação motora, já é um desastre. 


b) Sempre havia mais meninas que meninos em todas as minhas séries do ensino fundamental. Com isso, era inevitável que duplas de garotas se formassem para completar a quadrilha. Tendo eu sempre sido uma das mais altas da turma, mais de uma vez fui obrigada a fazer o papel do cavalheiro, coisa que pode parecer insignificante agora, mas que é obviamente uma tragédia quando se tem oito anos e não se é, exatamente, a garota mais popular da turma.


c) Usar um vestidinho de chita remendado já é terrível. Usar um vestidinho de chita remendado em Junho, pleno inverno paulistano, com uma meia calça opaca horrorosa que pinica é simplesmente insuportável. 


d) Festas juninas envolvem rifas. Rifas envolvem perturbar parentes, vizinhos e até desconhecidos vendendo bilhetes. Anti-social como eu era (era?), fazer as vezes de criança simpática para vender rifa de espremedor de laranja era uma verdadeira tortura chinesa. 


e) Eu sempre odiei milho, paçoca, vinho quente e todas as outras iguarias folclóricas. Passava a festa toda morrendo de fome e rezando para que aquilo acabasse logo e eu pudesse ir ao McDonald’s (tanto sofrimento tinha que ter uma compensação no final). 
Devo ser justa, entretanto. Agora adulta, consigo compreender o valor educativo da quadrilha. Ela não é apenas uma maneira que as professoras inventaram para se livrar das crianças durante alguns períodos do dia – ela é uma preparação para a vida adulta. Uma quadrilha pode ensinar valiosas lições sobre como, no futuro, as coisas serão muito mais cabeludas do que os pequenos inocentes podem imaginar. 


Humilhação pública: A vida de quando em quando nos colocará em situações tão vexatórias que a única saída digna seria a morte. Dançar de roupa remendada com os dentes pintados de preto e quem sabe até um coração colado no traseiro em frente a centenas de pessoas é apenas a primeira delas. 
Abuso de poder: Pois se existe uma coisa que certos chefes e alguns professores de Educação Física têm em comum é a leve desconfiança de que talvez Hitler tenha sido mal interpretado. 
Protecionismo: A filha da diretora que dança tão bem quanto o tio Julião depois de algumas cervejas se torna a noiva da quadrilha. A loira boazuda burra feito uma porta é promovida. Coincidência? Eu acho que não. 
Convivência forçada: Ensaiar durante um mês fazendo par com o gordinho que vive suando é na verdade um treino para futuras parcerias nada felizes, como dividir apartamento com aquela sujeita que só consegue dormir ouvindo Bruno e Marrone, fazer grupo de estudos com o cara que acha que “O Código da Vinci” é um clássico da literatura universal ou apresentar projeto com o fulano que, além de ter mau hálito, ainda dá em cima de você. 
Tolerância: Ou você acha que conseguirá passar ileso pela vida corporativa sem um sorriso forçado e um permanente ar de quem está achando o amigo-secreto de fim de ano divertidíssimo? Comece treinando na quadrilha. 
Frustração: “Olha a coooobra!” “Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!” “É mentiiiiiira!”. E os coitadinhos rebolando. 


A verdade é que, observando bem uma quadrilha, percebo que nem mãe Dinah seria capaz de tão fiel retrato do futuro quanto esta inocente manifestação cultural. No fim das contas todo mundo dança e quase ninguém sai feliz.

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