Sem paciência nenhuma

Uma amiga de 42 anos, casada pela segunda vez, me disse recentemente que está tentando engravidar, mas se não conseguir até o final do ano está cogitando adoção. O marido dela é descendente de japoneses e ela me disse que o sonho dela é ter um filho japonês. Respondi na lata:

"Então pode desistir da adoção".

Eu não preciso soltar nenhuma estatística aqui para que pessoas inteligentes como vocês entendam que a maioria esmagadora das crianças que está para adoção é negra.

"Ah Paula, eu sei. E isso pra mim não seria um problema, mas sonho é sonho, né?"

A gente sonha com um emprego bacana. Com uma casa em Juqueí. Com uma viagem pra Europa. A gente não sonha com o formato dos olhos ou com a cor da pele dos nossos filhos porque isso simplesmente não faz a MENOR diferença no tipo de pessoa que eles serão.

"Ah Paula, nem todo mundo está preparado para lidar com o racismo que uma criança negra vai sofrer."

Olha, a gente não tá preparado para lidar com um monte de coisas. Um casal cis heterossexual talvez não esteja preparado para lidar com um filho trans ou gay. Talvez a gente não esteja preparado para lidar com um filho com uma doença congênita. Com algum tipo de deficiência. Mas a gente aprende.

"Ah Paula, mas nesses casos os pais não tem escolha."

Daí eu me emputeci e soltei:

"Gata, num país onde 70% das crianças que estão prontas para adoção são negras a gente não tem exatamente escolha nesse caso também não."

A Amanda (minha sobrinha e só por acaso a criança mais adorável do mundo) é linda porque é filha dos outros. O dela tem que ser japonês (ou branco, pelo menos porque né, nem todo mundo está ~preparado~)

Ela é uma amiga de longa data e eu não quis jogar o card do "você é racista, meu amor" no meio de um restaurante japonês lotado na frente do marido dela e do meu namorado. Mas ela é racista sim. Porque quando você diz "os outros", você diz muito sobre você mesmo.

Não vem relativizar racismo na minha freguesia não, rapaziada.


Comentários


  1. Esses dias ouvi um podcast super delicado e informativo sobre Adoção (http://www.b9.com.br/65112/mamilos-70-adocao/ - https://open.spotify.com/episode/3EGE9k5xB36GNYqXW5TBcC?si=LI2GrQs-SlKWw6HsaXJAsg) e a uma das coisas que eu entendi ouvindo foi o quanto a gente se confronta com nossos próprios preconceitos e limitações quando se dispõe a adotar, porque é quando você vai ter que responder se "aceita" na sua família alguém que, por exemplo, não tem a mesma cor de pele que você. A pessoa que “eu não sou racista, imagina” mas aí uma coisa absolutamente banal e irrelevante como a cor da pele se torna um impedimento para você amar alguém. Ué? É foda.

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  2. Uma coisa bem "até tenho amigos que", né? Uma pena por ela :/

    Limonada (antigo Novembro Inconstante)

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